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Lei de Recuperação Judicial não atende pequenas empresas

Prazo curto para pagar credores é apontado por especialistas como entrave para aplicação de capítulo especial da legislação que deveria ser usado por empresas de pequeno porte

A Lei de Recuperação Judicial e Falências (11.101/2005) está na mira do governo e pode ser modificada depois de 12 anos de vigência.

Uma portaria publicada recentemente pelo Ministério da Fazenda criou um grupo de trabalho para propor mudanças na legislação.

Os especialistas têm três meses para elaborar uma proposta que poderá ser a base de um projeto de lei.

Para advogados que atendem empresas de pequeno porte em dificuldades financeiras, o capítulo especial da norma voltado ao segmento merece alteração.

Os dispositivos 70,71 e 72 da seção V oferecem uma opção mais rápida e com custos menores às microempresas e empresas de pequeno porte no processo de recuperação judicial.

Porém, são poucos ou quase nada utilizados pelas empresas que, na prática, acabam seguindo o mesmo rito das grandes companhias quando optam pela recuperação judicial nos momentos de crise financeira.

Um dos entraves do plano especial é o prazo curto e fixo de 36 meses para a quitação das dívidas com os credores. Além disso, as empresas que optam pela modalidade especial ficam proibidas de contratar funcionários ou aumentar despesas sem autorização judicial.

Especialistas também defendem que o prazo de até 180 dias para o início do pagamento da primeira parcela seja contado a partir do deferimento do pedido de recuperação, em vez da sua distribuição, como ocorre hoje.

Para o administrador e contador Julio Cesar Siqueira, autor do livro "Recuperação Judicial de Empresas Médias e Pequenas – Guia Prático para o Credor e Devedor", as estatísticas por si só justificam aperfeiçoamento nesses dispositivos.

No ano passado, de acordo com dados da Serasa, das 1.863 empresas que requereram recuperação judicial, 1.134 eram de micro e pequeno porte.

“Sem dúvida, maiores prazos de pagamento e novas opções de atualização financeira e juros atrairiam mais as empresas devedoras”, defende.

Pela legislação em vigor, a atualização das dívidas das empresas que optam pelo plano especial é feita pela Selic. Para Siqueira, a empresa devedora é que deveria propor o indicador para a atualização financeira

Com isso, a atualização ficaria alinhada com a atividade desenvolvida”, explica.

As restrições impostas ao aumento de despesas durante o período de recuperação são outros obstáculos enfrentados, podendo colocar em risco até a sobrevivência do negócio.

Atualmente, as empresas devedoras só podem elevar suas despesas ou contratar funcionários com a autorização do juiz.

Na visão de Siqueira, uma mudança bem-vinda na legislação atual seria a autorização prévia para essas iniciativas desde que o devedor informasse as medidas nos autos e justificasse os motivos.

“Uma empresa não pode perder oportunidades e uma decisão desta pode demorar meses”, justifica.

LETRA MORTA

Na cidade de Mogi Mirim, uma distribuidora de medicamentos de pequeno porte poderia ser a primeira na região a requerer na Justiça um plano especial de recuperação judicial e, quem sabe, sair da crise que afetava seus negócios.

No meio do caminho, porém, percebeu que não conseguiria cumprir o prazo de 36 meses para honrar as dívidas com os credores, a maior parte fornecedores e bancos.

A estratégia adotada para não fechar as portas foi migrar para a modalidade ampla prevista em lei, adotada pelas empresas maiores.

Do ponto de vista da burocracia, são bem menos complexos os procedimentos para apresentar um plano de recuperação especial, a começar pelos relatórios contábeis, mais simplificados, que a empresa deve apresentar para mostrar a real situação do negócio.

De acordo com o advogado que acompanhou o caso, José Antonio Bueno de Toledo, com a migração de plano, foi possível dobrar o número de parcelas para o pagamento da dívida, em consonância com o fluxo de caixa da empresa.

“O plano especial é muito engessado e não leva conta as particularidades do negócio", explica.

Na sua visão, o capítulo especial da legislação é uma “letra morta”. Caso contrário, atenderia de forma inédita na Comarca de Mogi-Mirim uma empresa pequeno porte em dificuldade financeira.

Há quase quatro anos em crise, a distribuidora de medicamentos conseguiu manter suas atividades e atualmente aguarda a homologação do juiz ao novo plano.

CONSULTAS

De acordo com o consultor do Sebrae, Silvio Vucinic, embora as dúvidas mais frequentes envolvam a abertura do negócio, houve um incremento nas consultas de pequenos empresários sobre alternativas para o enfrentamento da crise.

Em tempos de queda no faturamento, endividamento e aperto no fluxo de caixa, a primeira opção, em geral, é tentar um acordo diretamente com cada credor.

“A recuperação judicial é uma alternativa interessante para as empresas viáveis e deve ser decidida depois de uma análise cuidadosa da capacidade de pagamento dos credores, que devem aprovar o plano apresentado”, explica.

Menos otimista, Júlio Mandel, especialista em direito falimentar, diz que devido ao alto custo e falta de apoio dos credores, as pequenas empresas nem usam a recuperação judicial como saída ou uma luz no final do túnel. “Elas simplesmente fecham as portas ou fazem negociações individuais”, afirma.

Para o advogado, a legislação ainda não foi assimilada por uma questão cultural. Isso porque a dívida, especialmente em momentos de crise, não é considerada como um risco do negócio ou algo normal num mercado competitivo.

“No Brasil, o devedor é tratado como um pária e não como um parceiro em dificuldade que merece apoio dos credores para a plena recuperação da empresa em dificuldade”, afirma.

Para o advogado, a legislação precisa ser reformulada principalmente o capítulo que trata dos direitos dos bancos, que gozam de muitas garantias e acabam não participando do processo de recuperação.

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